Ética e Psicanálise a distância

Maria José Gonçalves[1], Carlos Farate[2], Daniel E. Schoffer Kraut[3], Luis Jorge Martin Cabré [4] , Rui Aragão Oliveira[5]

Introdução

Maria José Gonçalves

A situação pandémica que estamos a atravessar veio, pela força do contexto, «normalizar» uma situação considerada experimental pela IPA e limitada a circunstâncias excecionais, mas que muitos analistas em todo o mundo praticam de forma mais ou menos assumida: a análise a distância.

Várias questões, dúvidas e inquietações foram aparecendo em relação às consequências desta prática para o processo analítico. Saliento dois aspetos: a confidencialidade, tendo em conta os riscos inerentes às comunicações via Internet, por demais conhecidos e nunca suficientemente valorizados (Churcher, 2015), e a substituição do setting clássico, em que o espaço físico e a presença do par analítico moldam e enriquecem a comunicação analítica, por um sítio não existente e onde o encontro físico não acontece. Ou seja, o setting, como invariante mudo em que se depositam as fantasias arcaicas do paciente (Bleger, 1967), versus um setting volátil, um lugar não partilhado. Neste caso, os participantes estão à mercê das contingências tecnológicas das ferramentas que utilizam e da sua competência para bem as utilizar, pelo que as disrupções do setting nem sempre dependem do analista ou do analisando, deixando as resistências do paciente em relação ao processo e as manifestações do inconsciente na sombra e na incerteza.

À questão de saber se as sessões via Internet podem ser consideradas sessões psicanalíticas e quais as implicações na identidade psicanalítica, A. Sabbadini (2014) responde que se forem mantidos os princípios teóricos básicos relativamente ao inconsciente e à técnica, nomeadamente a salvaguarda de um setting consistente e coerente e de aplicação do método psicanalítico, podemos falar de psicanálise, mesmo que alguns indicadores do estado mental do paciente não estejam ao alcance do psicanalista durante a sessão.

Podemos também perguntar-nos se haverá uma ética específica para a condução deste tipo de tratamento psicanalítico.

Eu diria, com P. Dennis (2011), que em psicanálise a ética tem uma dupla perspetiva: aquela que é inerente à aplicação do método, de forma que o processo psicanalítico prossiga em benefício do paciente, e aquela que diz respeito à pessoa do analista, como profissional e como cidadão. A ética psicanalítica, subsidiária da ética individual do analista, implica, assim, que este crie as condições para que o processo analítico se inicie e desenvolva e que se comprometa com a aplicação do método.

Este imperativo ético não só é válido para a análise a distância, como deverá ser acrescido, dada a imaterialidade desta, de uma maior atenção ao rigor e cumprimento do contrato analítico e à salvaguarda de um setting seguro e protegido.

A IPA (2020) elaborou um manual de instruções de forma que se garantisse a confidencialidade e as condições de espaço e tempo apropriados ao trabalho analítico a distância e, de algum modo, se preservasse a essência da psicanálise.

No entanto, se a aplicação do método é um imperativo da ética do psicanalista, uma reflexão séria e profunda acerca dos efeitos da análise a distância no processo psicanalítico, das suas limitações, da forma como influencia a identidade psicanalítica, é também um imperativo ético das sociedades de psicanálise.

BIBLIOGRAFIA

Bleger, J. (1967). Psycho-Analysis of the psychoanalytic frame . International Journal of Psychoanalysis, 48(3), 511–519.

Churcher, J. (2015). Privacy, telecommunications and psychoanalytic setting. Bulletin, 69, 237–251.

Denis, P. (2011). Pour une éthique de la méthode. Em B. Chervet & J.-M. Porte (Eds.), L’éthique du psychanalyste. PUF.

Sabbadini, A. (2014). New technologies and the psychoanalytic setting. Em A. Lemma & L. Caparrota (Eds.), Psychoanalysis in Technoculture Era. Routledge.

IPA (2020). Guidelines for colleagues conducting remote therapy sessions. www.ipa.world/news/coronavirus


Carlos Farate

O atual questionamento das implicações técnicas e éticas da psicanálise a distância, também designável por psicanálise online ou telepsicanálise, reenvia ao debate sobre o ethos psicanalítico, que tem perpassado a práxis terapêutica seminal de Freud desde a década de 1930, com a técnica ativa proposta por Ferenczi (1932/1955), até à atualidade, passando pelas controvérsias psicanalíticas da BPS, no início da década de 1940, sobre o «escândalo» ético da semantização da linguagem metonímica da criança (chichi, cocó, pénis, leite), genialmente proposta por Klein (1927/1969, 1946), pelo «holding environment», na qualidade de área intermediária de experiência estética decorrente da teoria da técnica avançada por Winnicott (1954) na década de 50 do século passado, pela importância do «processo de corrente libidinal» teorizado por Fenichel (1939) e Balint (1950) na senda de Ferenczi, Rank e Alexander, também nos anos 50 do século passado, que conduziu à proposta mediadora de Eissler (1958) pela definição dos «parâmetros técnicos» do modelo terapêutico da psicanálise, mais ou menos pela mesma altura, ou, ainda, pela atribuição do valor de constante, ou de «variável muda», à «moldura» terapêutica, proposta inovadora de Bleger (1967) no final da década de 1960, que, paradoxalmente, anima o cenário terapêutico do dispositivo «cirúrgico» cadeira-divã da cura-tipo unipessoal freudiana, ao dotar este dispositivo estático de um caráter analisável. Proposta que eu próprio procurei desenvolver criticamente em 2011 ao investigar o setting como variável, isto é, como estrutura dinâmica e instrumento técnico da práxis terapêutica da psicanálise, em obra publicada pela (saudosa) Fenda (Farate, 2011). Por aí, convirjo com Gabbard & Lester (2002), Gonçalves (2014), Green (2007) ou Kantrowitz (1997), de entre outros psicanalistas, ao considerarem que técnica e ética estão indissociavelmente associadas na práxis terapêutica da psicanálise. Ora, ao atribuir ao setting o valor de variável técnica estruturante, entendo, muito particularmente, que setting — cenário terapêutico — e ética psicanalítica estão indissociavelmente ligados. Qual é então o ethos da psicanálise? E, para o que aqui interessa, em que medida as modalidades cénicas do encontro do par analítico (decúbito dorsal em dispositivo divã-cadeira, face a face em sofá ou cadeira, interação online, a distância, visual ou não visual, contato telefónico ou contato por mensagem escrita) afetam a ethiké terapêutica da psicanálise? Esta interrogação traz-me à ideia aqueloutras interrogações de Sandler e Dreher (1996) sobre «Que querem os psicanalistas?», com resposta (via insight) na dupla finalidade terapêutica e maiêutica da práxis analítica, e, sobretudo, a interrogação de Wallerstein (1988), também título de um brilhante artigo no IJP, sobre se há uma ou muitas psicanálises. Considero esta última interrogação particularmente fecunda, e tomo-a como eixo da resposta à questão-tema do debate sobre a ethiké da psicanálise a distância. Entendo que, mesmo se o inconsciente estrutural e dinâmico é esteio fundacional da psicanálise, cuja importância é axial na escolha do quaternário técnico definidor da práxis psicodinâmica — interpretação, transferência, transferência-contratransferência e insight —, a psicanálise está, ao longo de mais de século e meio de história, e de atualidade, para lá da metapsicologia energético-pulsional de Freud. A este propósito, começo por invocar Klein, que, embora na senda metapsicológica de Freud, transformou o ego princípio do prazer em self primitivo pensável e aberto à semantização, descartando, da sorte, a qualidade não pensável de ego corpóreo postulada por Freud ao elaborar, em obra de 1911, acerca dos dois princípios do funcionamento mental. Por aí, abriu caminho à teorização de um objeto interno, diverso do objeto pulsional introjetado. Mas invoco também, e sobretudo, Lacan e Bion, os quais, tal como Winnicott, embora com pressupostos teóricos assaz diferentes, desenvolveram diversa linhagem epistemológica. Assim, Lacan (1975–1976) metamorfoseia o processo primário em instância Real, imanência de uma linguagem inconsciente traduzida no «sinthoma», e propõe uma ética da palavra-significante em que o sujeito é estimulado a semantizar, na cura analítica, o desconhecido Real, resgatando-o para a intermediação simbólica do Imaginário, e Bion (1965) transforma o processo primário no domínio do (ainda) não pensável (porque não descodificado) dos elementos b, reescrita genial da posição esquizoparanóide de Klein, cuja ética de pensamento evolui, em PS«D, para a pensabilidade possível em modo «barreira de contacto-função a». Ora, não serão as dimensões da ethiké psicanalítica de uma práxis fundada em cada uma destas epistemologias perfeitamente adequadas aos ajustamentos cénicos de uma psicanálise a distância, cujo setting, em modo de comunicação inconsciente e intersubjetiva, se mantém? Quem sabe, contribuir até para aprofundar a investigação clínica sobre o quaternário técnico da práxis psicanalítica que acima referi? Ou será que, embora psicanalistas, continuamos a não acreditar no ethos da comunicação de inconscientes nas condições do setting expandido de um processo analítico a distância?

BIBLIOGRAFIA

Balint, M. (1950). Changing therapeutical aims and techniques in psycho-analysis. International Journal of Psycho-Analysis, 31, 117–124.

Bion, W. (1965). Transformations: Change from Learning to Growth. Heinemann.

Bleger, J. (1967). Psycho-analysis of the psycho-analytic frame. International Journal of Psycho-Analysis, 48, 511–519.

Eissler, K. (1958). Remarks on some variations in psycho-analytical technique. The International Journal of Psycho-Analysis, 39, 222–229.

Farate, C. (2011). Psicanálise com limites e psicanálise ilimitada: o setting como instrumento técnico e estrutura dinâmica da psicanálise. Fenda.

Fenichel, O. (1939). Problems of psychoanalytic technique. Psychoanalytic Quarterly, 8, 438–470.

Ferenczi, S. (1955). Final contributions to the problems and methods of Psychoanalysis. Hogarth. (Obra original escrita em 1932.)

Freud, S. (1969). Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental. Em Sigmund Freud. Obras completas, XII. Imago. (Obra original escrita em 1911.)

Gabbard, G. & Lester, E. (2002). Boundaries and Boundary Violations in Psycho- analysis. APPI.

Gonçalves, M. J. (2014). A ética e a prática da psicanálise. Revista Portuguesa de Psicanálise, 34(1), 34-41.

Green, A. (2007). Introduction: a unique experience. Em A. Green (Ed.), Resonance of Suffering. Countertransference in Non-Neurotic Structures . International Psychoanalytical Association.

Kantrowitz, J. (1997). A different perspective on the therapeutic process: the impact of the patient on the analyst. Journal of the American Psychoanalytic Association, 45, 127–153.

Klein, M. (1969). Colloque sur l’Analyse des Enfants. Essais de Psychanalyse 1921-1945. Payot. (Obra original escrita em 1927.)

Klein, M. (1946). Notes on Some Schizoid Mechanisms. International Journal of Psycho-Analysis, 27, 99–110.

Lacan, J. (2005). Le Séminaire livre XXIII, “Le Sinthome ”. Seuil. (Obra original escrita em 1975–1976.)

Sandler, J. & Dreher, A. (1996). What Do Psychoanalysts Want? The Problem of Aims in Psychoanalytic Therapy . Routledge.

Wallerstein, R. (1988). One psychoanalysis or many? International Journal of Psycho-Analysis, 69, 5–21.

Winnicott, D. (1989). De la Pédiatrie à la Psychanalyse. Payot. (Obra original escrita em 1954.)


Daniel E. Schoffer Kraut

Quiero comenzar mi participación en este debate con dos comentarios de Sigmund Freud y una definición sobre el concepto de ética. El primero de los comentarios freudianos se refiere al encuadre y el segundo a la teoría de la técnica. En su artículo “Sobre la iniciación del tratamiento” Freud presenta una serie de reglas útiles para el inicio y la dirección de la cura. Dice que estas reglas son unos consejos y que no pretende que sean incondicionales ni obligatorias porque “La extraordinaria diversidad de las constelaciones psíquicas intervinientes, la plasticidad de todos los procesos anímicos y la riqueza de los factores determinantes se oponen, por cierto, a una mecanización de la técnica… Sin embargo, estas constelaciones no impiden establecer para el médico una conducta en promedio acorde al fin”. (Freud, 1913/1986). El segundo comentario freudiano es de su artículo “Contribución a la historia del movimiento psicoanalítico” (Freud, 1914/1979) donde afirma que se puede considerar como psicoanálisis a toda línea de investigación en relación con la cura de la neurosis que tenga como punto de partida la transferencia y la resistencia. Por su parte, la palabra ética proviene del griego ethikós que significa carácter. Es una rama de la filosofía vinculada a la moral y trata sobre los “comportamientos deseables” de las acciones de los sujetos. Es el estudio de las reglas que ha de tener un sujeto para tener un comportamiento que le permita alcanzar la felicidad sobre la base del discernimiento de lo que es bueno o malo en sus acciones. El problema en esta definición radica en el hecho de que para el psicoanálisis no entran en juego los juicios morales en la medida en que bajo la regla fundamental de la asociación libre se trata de que el sujeto descubra que está habitado por un conflicto que es insoluble, porque descubre que lo que es bueno para el sistema consciente es malo para el inconsciente y viceversa. Por eso J. Lacan (1959–1960/1988) en su seminario sobre “La ética del psicoanálisis” afirmaba que sólo somos culpables de haber cedido ante el deseo, con el doble sentido de renunciar al deseo por imperativo del superyó o de dejarse llevar por Tanatos y que el principio de placer se descargue sin estar en conjunción con el principio de realidad. Desde esta perspectiva se hace necesario distinguir la moral de la ética. Para entrar en el debate que hoy nos convoca, voy a dar una definición del encuadre, que propuse para un artículo que titulé “La nueva a-normalidad” y en el que decía que el encuadre no es otra cosa que el establecimiento de una serie de reglas que hacen posible la realización de una tarea determinada. Por eso, una vez aceptado (no sin resistencias) el análisis individual por medios telemáticos, persistieron no pocas dudas técnicas que afectaban a la ética del psicoanalista cuando ésta estaba centrada en el encuadre transformado en un rasgo casi “caracterial” del tratamiento. ¿Se puede analizar familias y parejas a través de métodos telemáticos? ¿Y los niños? ¿Puede haber análisis de niños a través del ordenador, de la computadora, teniendo en cuenta que es necesaria la ayuda de los padres? Detrás de estas preguntas seguía primando la duda principal: ¿El análisis a distancia es análisis? Por eso, y siguiendo los consejos de Freud, pienso que deberíamos ser capaces de redefinir y modificar los encuadres en función de las circunstancias bajo las cuales se pueden producir los encuentros psicoanalíticos. Desde esta perspectiva es un desafío para nosotros los analistas poder pensar y entender el proceso analítico cuando discurre por fuera de lo que denominamos encuadre clásico.

Es más, pienso que si no somos capaces de cuestionar el “setting” clásico como una manera primera de legitimar un análisis y nos sometemos sin más a la homogeneización del encuadre impuesto por el discurso del amo de la institución, si seguimos afirmando que sólo bajo sus paradigmas se puede producir un análisis de verdad, entonces nos estaremos alejando de la posibilidad de analizar cada caso acorde con las condiciones de posibilidad que presenta convirtiendo a los divanes en lechos de Procusto y cerraremos las puertas a la producción de cambios en la técnica que quizás sean necesarios para la supervivencia del psicoanálisis. El análisis a distancia impuesto por las circunstancias especiales de la pandemia del Covid 19 es la punta del iceberg para poder pensar la clínica más allá de la ortodoxia impuesta por la institución. Pienso que el proceso analítico no deja de producirse porque no se pueda mantener el encuadre clásico, y aquí deberíamos pensar no sólo la cuestión de lo presencial o no presencial del análisis sino también algunas cuestiones que a todos nos interrogan y que tienen que ver por ejemplo con las frecuencias o duración de las sesiones. En esta situación en la que se nos ha impuesto el análisis a distancia, es el analista, caso por caso, el que debe dar cuenta de lo que es o no es psicoanálisis. Cuando es el encuadre lo que define al análisis perdemos la importancia de la escucha de un discurso que, caso por caso, hace lazo en la transferencia. Y lo que no debemos perder de nuestra escucha es que con análisis a distancia, con pandemia o sin pandemia, el análisis del sentido del relato debe ser buscado en la causalidad psíquica, es decir, en las leyes propias del inconsciente que a su vez dependen en su eficacia de los mecanismos que organizan al aparato psíquico. Así podemos constatar cómo el discurso del paciente se aferra al Covid 19, como una realidad más, como relato manifiesto al servicio de la represión. Bajo mi punto de vista la cura analítica tiene que ver con un proceso y una técnica que permiten que el analista en atención flotante pueda tener una escucha que le permite intervenir en ciertos momentos del relato del paciente haciendo posible que se produzca cierta remisión del síntoma en tanto sufrimiento. Esta intervención se centra en el corte que se produce en el relato del analizando porque ese corte transforma al relato en discurso. Recordemos que discurso viene del latín discursus que se compone del prefijo dis (divergencia, separación múltiple) y cursus (carrera) con lo que se quiere significar tanto que las palabras corren, que se deslizan permitiendo crear un sentido para expresar un sentimiento o pensamiento, como que pueden ser detenidas en su movimiento metonímico produciéndose efectos metafóricos que hablan de otro decir. El psicoanálisis se basa en esos momentos privilegiados de la asociación libre en los que el analizando descubre que hay cosas que dice de las que nada sabe. Son momentos en que el relato falla, en los que falla la palabra. De un lado, entonces, tenemos lo que el sujeto puede decir, lo que hace relato, lo que hace cadena significante y del otro lado tenemos el goce del síntoma, la verdad del síntoma, como una satisfacción que opera desde lo más indecible de la pulsión. Lo que Freud descubrió es que en el síntoma hay un saber acerca del deseo inconsciente reprimido. Por eso el objetivo de la intervención del analista debe estar orientada a producir un sinsentido que despoje al síntoma de su significación cerrada (que es la interpretación que el paciente hace acerca de su padecer) para transformarlo en algo que se pueda encadenar y desencadenar para que el sujeto pueda confrontarse con la castración de la palabra y también con la castración del objeto, en tanto real innombrable. Este es un momento privilegiado del análisis porque en él el analizando se enfrenta a su incompletud, a su discordancia constituyente, a su conflicto insoluble. Por un lado, entonces, tenemos la pregunta práctica sobre el proceso que lleva a la cura, pregunta relacionada con la resolución del conflicto, la disolución del síntoma o con cualquier otro tipo de ideal de salud que se nos impone desde la aplicación de un encuadre que incluye la teoría del analista.

La ética del psicoanálisis se anuda a la escucha del analista que con sus intervenciones permite que el analizando pueda hacerse cargo de su deseo más allá de la moral cultural y del encuadre caracterial del analista. Sabemos que hay muchas maneras de plantear el objetivo de un análisis, y estas múltiples maneras dependen de las distintas teorías, y de las distintas ideologías de salud. Uno de los objetivos planteados como final de análisis, vinculado con los planteamientos que Freud (1937/1986) hace en su artículo “Análisis terminable e interminable”, tiene que ver con la roca de la castración y no es otro que el decubrimiento de que más allá de la cura, el sujeto descubre que hay un saber inconsciente acerca de sí mismo del que él nada sabe y que va más allá de la represión secundaria porque no se trata de un saber que no se sabe pero que se puede llegar a saber sino de un saber que no se puede saber. Los objetivos preconcebidos para cada análisis (también el que acabo de formular) son los distintos disfraces del discurso del amo de los que nos tenemos que despojar (incluido el encuadre rígido y caracterial del analista) si queremos ser capaces de escuchar, más allá del relato manifiesto, el discurso con el que cada analizando trata de dar cuenta de su pulsionalidad.

BIBLIOGRAFÍA

Freud, S. (1986). Sobre la iniciación del tratamiento. Nuevos consejos sobre la técnica del psicoanálisis I. Amorrortu. (Obra original escrita en 1913.)

Freud, S. (1979). Contribución a la historia del movimiento psicoanalítico. Amorrortu. (Obra original escrita en 1914.)

Freud, S. (1986). Análisis terminable e interminable. Amorrortu. (Obra original escrita en 1937.)

Lacan, J. (1988). Seminario 7: La ética del psicoanálisis. Paidós. (Obra original escrita en 1959–1960.)


El desafío del coronavirus y su manejo clínico.

Luis Jorge Martin Cabré

Estamos siendo protagonistas de una pandemia, de un trauma colectivo inimaginable que ha desorganizado nuestros ritmos, nuestra continuidad y esencialmente nuestra relación con la temporalidad. El confinamiento nos ha obligado tanto a pacientes como a analistas, a reorganizar nuestros espacios internos y externos con el consiguiente malestar, tensión y sentimientos de soledad y pérdida. Nos hemos visto repentinamente desposeídos de nuestra práctica técnica habitual, sustituida por una tecnología en gran parte desconocida que ha sembrado de incertidumbre nuestro futuro y el de nuestros pacientes.

¿Y cómo podemos como psicoanalistas comprender y desvelar el "tiempo" de determinadas experiencias traumáticas como el coronavirus con sus desgarros mortíferos, sus escisiones extremas o de otros efectos patológicos narcisistas concomitantes, cuando, en ocasiones, no son representables o no poseen la mínima dimensión histórica?

Porque, escuchando con atención el discurso de mis pacientes, en estos últimos meses de mi trabajo durante la pandemia he ido constatando una serie de características comunes entre todos y cada uno de ellos. En todos ellos he percibido estados intensos de angustia, de la que se sienten invadidos sin saber por qué, fuertes depresiones y una total ausencia de la dimensión de futuro. Pero al mismo tiempo, tienen enormes resistencias a recordar el pasado, los sueños, no tienen fantasías ni lapsus y viven en un presente eterno, en el que nunca empieza nada nuevo. Tienen una relación extraña con el propio cuerpo como si no les perteneciera, aunque paradójicamente es la única prueba de su existencia. Además, la muerte no es para ellos una cuestión existencial o metafórica, la perciben en su aspecto mas crudo y brutal. Es su argumento cotidiano.

Las características de esta época de pandemia además han impuesto una modificación del encuadre a favor del uso de la tecnología telemática. La mayoría de los analistas utilizamos los tratamientos por Skype, por videoconferencias o por teléfono. Y esta modalidad inicialmente ha sometido a dura prueba nuestra técnica y escucha analíticas. Se debilita la intensidad transfero-controtransferencial, la asimetría, los momentos de silencio, la manifestación de aspectos regresivos y la capacidad de simbolización a favor de un exceso de realismo, un constante recurso a lo concreto y una hipertrofia de lo sensorial. De manera especial el escenario analítico tradicional se traslada a paisajes diferentes que habrían quedado oscurecidos en el encuadre habitual. Atendemos al paciente en su propio dormitorio, en una terraza, en compañía de su perro, de sus hijos que aparecen de repente en la sesión, en terrazas, por la calle, en el coche, configurándose de este modo una modalidad relacional exhibicionista-voyeurista muy intrusiva.

Sin embargo, considero firmemente que lo que hace que un proceso se considere psicoanalítico no es la aplicación de una serie de reglas externas sino el mantenimiento de la capacidad y de una disposición mental del analista que garantice la constitución de un espacio interno en el que el paciente pueda sentirse acogido y en el que pueda desarrollar una nueva manera de pensar.


Ajustamentos do setting terapêutico em tempos de pandemia pelo COVID-19

Autoridade e ética da função analítica em tempos de pandemia

Rui Aragão Oliveira

O ano de 2020 será inevitavelmente recordado como marcante na história da Psicanálise dada a introdução abrupta de alterações que vão muito além da generalização do atendimento remoto: por um lado, a presença (ou, por vezes, a sua negação) de inquietações ímpares e mudanças de atitudes e procedimentos no contacto pessoal e higienização do setting analítico; e por outro lado, a constatação de práticas clínicas e de consequências formativas em psicanálise que carecem ainda de uma profunda reflexão, ponderação e avaliação.

Além de meros comportamentos ou contextos físicos adaptados, surgem também fragilizados alguns dos fundamentos essenciais que constituem a identidade profissional dos psicanalistas, ou mesmo a identidade institucional das sociedades de psicanálise.

Na generalidade, ao distanciamento físico (não o social) reagimos com a intensidade da comunicação/discussão de uma vasta comunidade de colegas, alguns geograficamente mais distantes e habitualmente mais isolados, agora paradoxalmente mais envolvidos no debate, na comunhão das preocupações, e na construção criativa de diretivas de apoio, solidificando o rigor e sensatez do trabalho de uma comunidade profissional.

Do choque inicial, na procura de referências que amparassem a inquietação reinante, encontramos talvez agora alguma capacidade de metabolizar, compreender e refletir sobre o que o fenómeno pandémico desencadeou para o futuro da psicanálise.

Para lá do grave problema de saúde pública, a pandemia confronta-nos igualmente com a condição humana de fragilidade interna, que realça o sentimento de medo e de profundo desamparo. Desde sempre que o medo foi objeto de investigação para Freud (1925–1926/2001). Em Inibição, sintoma e angústia, referiu a particularidade de que a angústia, quando encontra um objeto, se pode organizar evolutivamente como medo (habitualmente, medo da perda desse mesmo objeto ou do amor do objeto). Desta forma, mais objetivável, a angústia transforma-se em algo pensável e comunicável.

Convém relembrar que estes sentimentos — medo e desamparo — foram civilizacionalmente determinantes para que a Magia, a omnipotência do pensamento e a Religião dominassem séculos de história — timidamente enfrentados pelos avanços renascentistas primeiro, depois pelo Iluminismo — e que só a evolução científica e cultural do séculos XIX e XX, onde a Psicanálise e as Ciências Sociais e Humanas têm ocupado um lugar ímpar, permitiu compreender todo um outro alcance desta condição humana no seu desenvolvimento e estado de saúde, e em particular de saúde mental.

Inicialmente, inferiu-se que a primazia da razão sobre o pensamento mágico iria permitir que os múltiplos medos fossem compreendidos, reduzidos, e as suas expressões sintomáticas, idealmente dominadas. Hoje, sabemos bem que assim não ocorre. Como afirma Claúdio Eizirik (2010), convivemos potencialmente com todas estas formas de pensamento, das mais primitivas às mais elaboradas, e principalmente dentro de nós mesmos, observando-se uma oscilação conforme as circunstâncias do equilíbrio psíquico, e a nossa capacidade para refletir em contacto com a nossa realidade interna.

Nestas circunstâncias de pandemia, a procura de uma autoridade externa a que se reclame a proteção, que ampare inquietações e reforce as defesas perante as angústias é natural e compreensível. Parece-me mesmo essencial a existência de instâncias que auxiliem o Psicanalista, e onde este possa reconhecer uma autoridade segura e capaz de criar uma tensão criativa que promova a organização de uma autoridade interna que defenda a ética da função analítica, promovendo o reencontro com o objeto analítico, e que desta forma possa também defender a próxima geração de psicanalistas. É absolutamente necessário criarem-se condições para a autorreflexão, para que mediante fundamentos psicanalíticos se promova uma orientação identitária das sociedades de Psicanálise e porventura de uma profissão.

As mudanças ocorridas, «traumáticas» para muitos, e os receios e vivências de desamparo refletiram-se na clínica psicanalítica, mas igualmente nas supervisões, nos seminários de formação e até nas alterações dos eventos científicos habitualmente planeados.

De facto, não foi apenas a comunicação e hábitos sociais que se alteraram. Também os procedimentos usuais para garantirem a comunicação inconsciente entre paciente e analista sofreram mutações significativas: estar meramente ligado funcionalmente não assegura de todo condições para acolher a turbulência que o encontro analítico potencializa. E como assinalou S. Bolognini em visita recente, a proximidade emocional exigida para o exercício do trabalho analítico necessita de coragem — a coragem de sentir o medo!

BIBLIOGRAFIA

Eizirik, C. (2010). O medo nosso de cada dia. Berggasse 19, 1(1), 14–18.

Freud, S. (2001). Inhibition, symptoms an anxiety. Standard Edition, 20, 77–174. (Obra original publicada em 1925–1926.)



[1] Psicanalista Titular com funções didáticas da Sociedade Portuguesa de Psicanálise. E-mail: mjose.goncalves@sapo.pt

[2] Psiquiatra e Psicanalista. Professor Associado do Instituto Superior Miguel Torga. Membro Titular, com funções didáticas, da Sociedade Portuguesa de Psicanálise (SPP) e da Associação Internacional de Psicanálise (IPA). Membro da Comissão de Ensino da SPP. Diretor da Revista Portuguesa de Psicanálise. E-mail: carlos.farate@sapo.pt

[3] Psicanalista Titular com funções didáticas da APM – Asociación Psicoanalítica de Madrid. E-mail: danielschoffer@yahoo.es

[4] Ex-Presidente e Psicanalista Titular com funções didáticas da APM – Asociación Psicoanalítica de Madrid. E-mail: ljmartin@telefonica.net

[5] Presidente da Comissão de Ensino e Psicanalista Titular com funções didáticas da Sociedade Portuguesa de Psicanálise. E-mail: raragao20@gmail.com